sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Sobre transfobia

Nos últimos meses venho pensando bastante sobre como autocrítica e reconhecer meus próprios privilégios são importantes para minha luta feminista. Um grupo que me ajudou muito nisso foi a lista das Blogueiras Feministas. Lá eu descobri que tinha atitudes racistas  e transfóbicas. Não foi fácil descobrir tudo isso, eu me achava uma pessoa muito legal e coerente, completamente livre de preconceitos até que um belo dia entendi que estou muito longe de não ter preconceito nenhum. Mas, acredito que o pior problema era não entender esses preconceitos, fingir que eles não existiam, a muralha do feminismo me protegia de tudo que eu poderia fazer e isso era ruim, muito ruim.

Através de muitas críticas me deparei com meus próprios privilégios. E veja, nunca fui criticada por questões pessoais. Nunca disseram "Thayz, sua bobona. Você é uma ridícula". Não. A crítica era "Thayz, você está sendo transfóbica". Se isso doeu? Claro, é chato. Ninguém gosta que apontem quando você erra. Quando percebi que estava sendo transfóbica fiquei com muita raiva, discursei pra muita gente o quanto estava sendo vítima de toda essa situação, clamei por minha própria justiça já que eu me considerava uma feminista perfeita. Felizmente tudo isso durou um pouco mais de 24 horas e aí comecei a questionar o motivo de estar no feminismo. Cheguei a conclusão que não estou no feminismo por vaidade. Tô no feminismo porque quero reavaliar minhas atitudes e tenho plena consciência que isso vai acontecer durante toda minha vida. Sempre vou rever minhas atitudes, sempre. Muita gente diz que isso é policiamento. Bem, que seja! Eu me policio sim. Policio minhas atitudes sempre para não reproduzir opressão. Me pergunto como conseguiria praticar e militar dentro do feminismo se reproduzisse preconceitos sem fazer esforço algum para mudar ou fazendo vitimismo. E quando digo preconceitos são todos mesmo e não só aqueles que todos concordam. É olhar para nossa fala, entender o que ofende, o motivo de reproduzir tudo isso. Não consigo militar em um movimento em que deixam pessoas oprimidas para trás. Ou vem todas as pessoas, ou não vem ninguém.

Dia da Visibilidade Trans* em Curitiba - PR - 2013.

E foi nesse pensamento, nesse debate com meu próprio privilégio que descobri que a transfobia e cissexismo são opressões menores pra muita gente. Machismo é algo que revolta todo mundo, geral clama por sororidade. Mas, quando uma mulher trans*, por exemplo, denuncia transfobia várias feministas correm para chamá-la de misógina e a sororidade bonita acaba de uma vez. Tem uma ruma de gente que já falou exatamente o que eu sinto sobre sororidade, aqui, aqui e aqui.

Bem, eu não sou dona do feminismo. E nem acredito que o feminismo tenha uma voz única. Mas, eu não consigo imaginar um feminismo que é transfóbico. Pra mim não faz sentido, não casa, não transa. Ser transfóbica e cissexista dentro do feminismo é deixar pessoas trans* para trás e que tipo de movimento que se sujeita a lutar contra opressões deixa pessoas oprimidas para trás? Por que a transfobia e cissexismo são vistos muitas vezes como uma opressão irrelevante? Ora, o feminismo tem que levantar a bandeira contra a transfobia do mesmo jeito que levanta contra o machismo. Não há opressão menor, não deve haver opressão irrelevante. E por isso, não deve haver transfobia e cissexismo no feminismo.

Muitas pessoas dizem "ah, acho muito confuso essa coisa de cis e trans*". É mesmo? Fica mais fácil quando você tira o binarismo de gênero dos seus olhinhos. Você sempre pode ler sobre isso aqui, você sempre pode perguntar pra mim aqui nessa caixa de comentários porque eu ainda tenho uma paciência bonita graças ao yôga. Mas, você nunca, nunca, nunca deve fazer uma pergunta ou falar coisas ofensivas para pessoas trans*, se você está aqui na internet quer dizer que pode conseguir pesquisar sobre esses assuntos. E se mesmo assim uma pessoa trans* apontar que você fez algo ofensivo por algum motivo, não fique se defendendo. É feio. Reflita sobre o motivo da sua ofensa, entenda o que rolou e peça desculpas. E antes que venha alguém dizer que não sair por aí gritando misoginia quando se é acusada de transfobia é silenciamento: não, não é. Silenciamento é o que acontece com pessoas trans* todos os dias. Não só silenciamento, mas também apagamento, violência, invisibilidade. Afinal, alguém questiona todos os dias a identidade de gênero de uma pessoa cis? O mínimo que nós militantes feministas cis devemos fazer é ser aliadas, é não silenciar-se quando ocorrer qualquer tipo de opressão, inclusive a transfobia e o cissexismo. Não dá mais pra fingir que o feminismo é bonito e acolhedor, porque enquanto pessoas ficam fazendo feminismo por vaidade pessoas trans* estão sendo violentadas.

"O seu silêncio não vai te proteger".
 Audre Lorde

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